Educar para mudar

A maior parcela do eleitorado brasileiro, que constitui o povão, tem em suas mãos o instrumento democrático do voto como teria alguém um instrumento musical que dele só conseguisse tirar acordes paupérrimos mercê de sua deseducação musical. Assim, tocando de forma intuitiva e rudimentar, sem base ético-teórica consistente, apenas lograria amealhar umas poucas moedas de alguns ouvintes que só lhas dessem para que isso o fizesse convencer-se do desvalor de seu som. Ora, algo parecido ocorre com o povão que é, contudo, aquela parcela da sociedade que, no fim das contas, decide as eleições. A propósito, sobre isso, ironizou alguém dizendo que política é a arte de obter votos dos pobres e dinheiro dos ricos para proteger uns dos outros... De fato, o povão tem um instrumento poderoso nas mãos, mas as elites dominantes e seus governantes, que o deram para inglês ver, propositadamente não o capacitaram para utilizá-lo de forma cidadã; não o educaram para o exercício consciente e responsável do voto. Na verdade, o povão não teve a oportunidade de acessar uma boa instrução formal, de adquirir uma boa educação política, ou seja, uma educação para a liberdade, como apregoa Paulo Freire. Daí, tudo o que tem cabido ao povão são as migalhas do bolo do crescimento econômico nacional.


Mas como é possível mudar esse estado de coisas? Parece que se formou como que um círculo vicioso que parece insuperável: sem educação o povão não tem condição de mudar, e sem mudança o povão não pode se educar. Então tudo continua na mesma. Dir-se-ia, entretanto, que, no Brasil, como nos Estados Unidos, dá-se a alternância de poder. Tudo bem, se mudança significa trocar seis por meia dúzia, ou seja, mudar para permanecer tudo na mesma, alternando, sem opção, entre democratas e republicanos, bolsa família e fome zero.

Fala-se em educação em tempo integral, mas o povão reduz isso a apenas um meio de manter os filhos longe do perigo das ruas e ainda dar-lhes as três refeições diárias. Fala-se em educação pública de qualidade, mas o povão, sem condição de alcançar uma boa compreensão da realidade, só quer saber de pão e circo. Ah, se ele tivesse o voto impresso para poder então provar aos amigos que não perdera o voto! Ah, se ele tivesse um trocado para apostar naquele candidato favorito nas pesquisas, só para dizer que ganhou mais uma! Ah, se se pudesse voltar ao passado recente dos grandes comícios recheados de discursos retóricos, sofísticos e poéticos para o povão se orgulhar em vestir a camisa do candidato!

O povão não sabe a força que tem! Não tem noção do poder que detém! De fato, se um político cassado, que foi reconduzido ao poder pelo voto emocional do povão, pode, por isso, sentir-se legitimamente mais poderoso que os seus pares, imagine o poder real que não teria se houvesse obtido dele um voto racional, livre, consciente, qualificado e responsável! Numa palavra: um voto verdadeiramente cidadão! Nesse caso, estariam eleito e eleitor rigorosamente em pé de igualdade. Aliás, para a democracia, aquele não passa de um representante deste, já que, segundo a CF (também nesse aspecto feita para inglês ver), todo poder emana do povo e em seu nome é exercido.

Então, um musicista que tocasse com maestria o seu instrumento, logrando, em compensação, a merecida paga da audiência, seria como o povão bem instruído, educado e politizado que, por conta de seu voto livre e consciente, naturalmente auferisse de seus representantes todos os benefícios que reivindicasse e merecesse. Ah, se o povão se convencesse de que cada escola ideal que se abrisse, um presídio se fechava!

Mas o povão só mudará a sua condição na sociedade através da ocupação de espaços estratégicos de decisão nas esferas de poder. Para tanto, terá primeiro de se educar para o processo de transformação da realidade em que vive. Só que para chegar até lá seria necessário que os donos do poder tivessem vontade política para operar essa mudança.

Até quando o povão permanecerá nessa condição, vítima desse capitalismo neoliberal perverso, que sistematicamente trata a educação como mercadoria!?    

 
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