O STF e a transparência

No serviço público se diz que é assim: Não basta ser honesto, há de parecer. E dessa máxima é que talvez venha a idéia de se cobrar transparência nos atos e ações de autoridades, seus agentes ou quem quer que represente qualquer dos três Poderes da República.



Na atual Constituição Federal de 1988, chamada de Constituição Cidadã, ficou estabelecido que todas as decisões judiciais devem ser fundamentadas, a fim de que os interessados possam exercer integralmente o seu direito à ampla defesa. Ao lado dessa garantia, tem-se outra que manda que todos os julgamentos sejam públicos. De modo que, na combinação delas, a Justiça começa a tornar-se efetiva e transparente para a sociedade, haja vista que, já por esse meio, ela pode aferir a legalidade e justeza de um julgado.

Em sintonia com o espírito do constituinte de 88, há, por parte de nossos melhores magistrados, a preocupação também com o aspecto ético e humano dos julgamentos. Tanto é que o Supremo Tribunal Federal (STF) – com o objetivo de aproximar mais o cidadão do Judiciário e tornar assim universal e efetivo o direito de toda a sociedade, não só à publicização, constitucionalmente assegurada, mas agora à transparência dos trabalhos desenvolvidos naquela Alta Corte de Justiça – teve a iniciativa de implantar o projeto Justiça na TV, cuja audiência já superou as expectativas daqueles que o idealizaram. Isso foi feito através de lei sancionada em 2002 pelo Presidente do STF, ministro Marco Aurélio Mello, então no exercício da Presidência da República. No ar desde agosto desse ano, a TV Justiça transmite ao vivo os julgamentos realizados pelo STF, bem como pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Depois, em 2004, foi a vez da Rádio Justiça entrar no ar. E tanto o canal de TV quanto o de rádio podem ser acessados por meio da internet, abarcando-se, com esta, a utilização das principais mídias com penetração em todas as classes sociais.



E não importa que se diga que a concretização desse projeto deu-se graças a pressão popular, midiática ou coisa que o valha. O fato é que os ministros do Supremo, que já deram prova suficiente de sua independência, tanto intelectual quanto política – a exemplo dos casos Battisti e Lei da Ficha Limpa --, se quisessem, não se dariam o trabalho de lutar pela implantação do projeto. Ora, se houvessem julgado conveniente, poderiam ter continuado a publicar os seus atos apenas no Diário Oficial. Só para se ter uma ideia, nos Estados Unidos, as sessões da Suprema Corte são todas secretas. Talvez por saber disso, depois o Presidente Lula chegou a sugerir que a TV Justiça não tivesse transmissão ao vivo e que o material divulgado fosse submetido antes a operação de edição e filtragem; o que foi prontamente rejeitado.



Senão veja-se que, dando sequência ao projeto de total transparência do Judiciário -- e intensificando o processo de ampla abertura, tanto do ponto de vista jurídico quanto político-institucional, no sentido de incentivar e fazer que todos os cidadãos, uma vez satisfatoriamente informados de seus direitos por qualquer dos programas veiculados por aqueles meios de comunicação, participem efetivamente dos destinos da vida nacional, no que diz respeito à questão do bom andamento dos trabalhos desenvolvidos pela Justiça brasileira --, em 2004 foi aprovada a Emenda Constitucional nº 45, que instituiu o CNJ. Aliás, foi o próprio Presidente do STF, ministro Nelson Jobim, que, à época de sua criação, pôs todo o seu prestígio político a favor da instituição de um conselho nacional de justiça no Brasil. Embora não se possa dizer que se tenha formado um mecanismo puro de controle externo do Judiciário, tendo em vista a sua composição (dos 15 membros, 4 são de fora da carreira da magistratura), isso não significa que não seja isento. Prova disso é que, na prática, o CNJ tem causado surpresa, como a proibição de nepotismo no Judiciário, e polêmica pelo uso rigoroso que faz do poder que lhe foi conferido pela Constituição e sobretudo do poder que se arroga com base em suas Resoluções pretensamente constitucionais. Entetanto, a resposta a isso, pelo desconforto acarretado aos resistentes representados pela Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), não haverá de ser a sua limitação radical por decisão da Suprema Corte, o que resultaria naturalmente no esvaziamento das funções próprias daquele órgão que não visa, de maneira leviana e demagógica, perseguir e punir juízes que apresentem conduta eventualmente desviante.



Em todo caso, consciente o Supremo de que na Democracia não há Poder sem controle, se ele, ainda assim, não reafirmar o que já decidira na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.367-1/DF proposta pela AMB -- quando se discutia, entre outras, as questões da quebra do pacto federativo e da concorrência ou subsidiariedade da ação da Corregedoria Nacional de Justiça, cujo Relator foi o atual Presidente do CNJ e do STF, ministro César Peluzo --, não terá sido certamente por outro motivo que não uma natural mudança de entendimento em relação a essas questões e sobretudo para reconhecer uma eventual inconstitucionalidade da Resolução nº 135/2011 (que regula o procedimento ao qual devem ser submetidos juízes acusados de cometer irregularidades no exercício da profissão, e prevê até pena de demissão, no caso de faltas mais graves), editada pela Corregedoria do CNJ, que possa haver extrapolado os limites de seus poderes constitucionais.

Mas, seja como for, não deve haver retrocesso nesse projeto de abertura e transparência do Judiciário brasileiro; mesmo porque, caso a AMB tivesse sucesso pleno no seu pleito junto ao STF, terminaria de nada adiantando, tendo em vista que o Senador Demóstenes Torres, do DEM/GO, ameaça já aprovar uma Emenda Constitucional para restaurar e deixar bem explicitados os poderes conferidos à Corregedoria do CNJ. De fato, a História tem ensinado que, numa Democracia, “somente com julgamentos explicitados claramente, é que a sociedade aceita a autoridade do Poder Judiciário como justa e correta. Nisto consiste o dever do Estado: julgar com transparência”, na lição de Flávio Renato C. de Almeida.

 
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